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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

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Leia um trecho do livro "Faz Parte do Meu Show".

Capítulo 1
Exagerado

        Ainda sentia em mim a fraqueza causada pelo HIV. Repercutia em meu espírito as dores morais decorrentes das enfermidades. Mas algo mudara. Será que eu havia morrido? Intimamente eu ouvia uma multidão aplaudindo. Outra vez eu a ouvia chorando e um sentimento indefinível desabrochava em meu peito, uma ânsia louca de explodir, uma vontade de gritar para aquela multidão: "Estou aqui, vivo!"… Mas, aqui, onde? No hospital? Em Ipanema? No palco? Eu não saberia dizer.
        Senti uma tremenda vontade de chorar. Parecia que todas as emoções, angústias e dores duramente reprimidas estavam rompendo as últimas barreiras e resistências, derramando-se em lágrimas que desciam de meus olhos. Diluía-me todo nas torrentes de lágrimas que fluíam de dentro de mim. Mas parecia que esse pranto, que essa lágrima toda não descia apenas de meus olhos. Elas vinham de mais profundo, do coração, das minhas entranhas, eu diria.
        Mais ainda eu podia ouvir a multidão e, quanto mais eu ouvia aquelas vozes repercutirem em minha alma, mais eu tinha certeza de que meus pés não pisariam mais os palcos do mundo. Uma certeza apossou-se do meu ser: eu havia morrido.
        Contudo, eu vivia. Embora não pudesse explicar para mim mesmo, eu vivia, apesar do delírio da multidão, do choro dos familiares e da saudade incrível de minha mãe, que irrompia do meu peito. E a única coisa que eu sabia fazer naquele momento era chorar. Chorei como uma criança desconsolada. Chorei talvez com revolta, mas meu choro também era um desabafo.
        Sentia que estava deitado, porém, era uma situação tão diferente de tudo que eu presenciara e vivera até ali. Tudo parecia um delírio. Lembrei-me das sensações que eu sentira todas as vezes em que me drogava. As viagens e os sonhos proporcionados pelo uso da maconha, da cocaína, enfim, das badalações e loucuras, das curtições e das revoltas lúcidas, planejadas, sem limites.
        À medida em que me recordava dessas coisas a angústia aumentava. Uma tristeza amarga sobressaía em meio ao tumulto das emoções. Se havia um inferno, eu vivenciava algo semelhante dentro de mim naquele momento.
        Enquanto eu vivia esses sentimentos fortes e as emoções violentas que arrebentavam do meu peito, não tive consciência exata do tempo que se passava. Um dia? Um mês? Ou um ano? Diante da dor o tempo parece dilatar-se e, para quem vive essa loucura interior, os minutos, os dias, os anos parecem elásticos ou se transformam numa eternidade. Será pura impressão?
        Vagamente eu me lembrava do leito onde eu estava deitado, da clínica improvisada na residência de meus pais. Mas era só vagamente. Novamente os gritos, as vaias e o delírio de uma multidão que eu não via. Apenas ouvia. Tudo estava gravado dentro de mim.
Imagens apareciam e desapareciam à minha volta e eu, ao mesmo tempo, fazia parte daquele cenário pitoresco, louco, delirante. Com certeza eu estava sob o efeito de alguma droga - era assim que eu pensava. Tantas e tantas vezes eu me droguei, fumei e cheirei. Uma espécie de lembrança das minhas loucuras se esboçava em imagens que pareciam irreais. Uma certeza de que a morte estava me cobrando alguma coisa. Ou - quem sabe? - era eu mesmo quem me cobrava.

        A morte faz dessas coisas com a gente. No meu caso, além de despertar um sentimento de culpa duramente reprimido, trouxe à tona um lado mais sensível de mim, que somente pode ser comparado com os momentos mais agudos da doença. A morte amacia corações, dobra a nossa rebeldia. Afinal, rebelar-se mais, para quê? Contra que sistema? Contra Deus e a vida? Eu não via Deus.

RECOMENDO A TODOS VALE A PENA LER 

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